História de Seu Alcides da Grota do Pau D'Arco

Alcides, nasci em 06 de setembro de 1930, em Manguaba no Pilar. Minha mãe morreu quando era pequeno, tive irmãos de criação.  Fugi de casa com doze anos, sai do Pilar porque não tinha mãe, vim só com um bocado de matutos que iam passando e pedi “Vocês estão indo para onde?”, “Estamos indo para Satuba, “Pode me dar uma carona no jegue”, “sim”. Deram-me, isso faz muito tempo, minha história é longa. Cheguei em Satuba às cinco horas da tarde, de lá fui para Fernão Velho a pé. Caminhando cheguei em Jaraguá, entrei num armazém para passar a noite e no outro dia procurar meu rumo, mas acabei ficando por lá. Conheci uma senhora que me ajudou muito, fiquei dormindo com ratos, morcegos. O filho dessa senhora disse assim “Mãe vamos ajudá-lo porque é trabalhador”. Fiquei lá um tempo, depois chegou um rapaz e me levou para Ipioca para trabalhar com cal. Andei muito pelo meio do mundo ajudando os outros e me ajudando. O meu trabalho era encher um balaio de pedra e subi uma escada... Deus sempre comigo! Meu pai e minha mãe sempre foram Deus. Eu não tinha para onde ir, o armazém era minha casa, dormia no almoxarifado no meio de pá, enxada. Ai chegou a idade de me apresentar no Exército, era uma fila de cem homens de um lado e cem do outro, então chegou o tenente e o capitão , os que iam ficar, ficava, os que não iam para casa, no meu caso o armazém. Como estava adoentado fiquei internado no hospital do Exército. Quando fiquei bom o major me chamou “O senhor mora aonde?”, moro na Pajuçara, “Em qual canto?”, “Em um armazém”.

Trabalhava de dia e dormia de noite no armazém, depois o dono não queria mais pagar. Eu reclamei “Dr.º  Antônio se não pagar a gente direitinho vou embora”. Fiquei abusado com ele e pedi as contas. Sai de lá e fui para a casa de meu irmão em Ipioca, mas tinha indo para São Paulo. Encontrei um amigo que me chamou para sua casa, não queria ir “Você têm filhos...”, não deu certo lá. Daí fui para a casa de uma prima na Garça Torta, Generosa o nome dela, já morreu.

Estou desde os doze anos a sofrer, aqui e acolá. Aí arrumei essa menina, estamos casados há 45 anos, tivemos doze filhos. Quando casei estava com 36 anos e ela 16 anos. Demorei em casar porque estava escolhendo, a obrigação do homem é namorar muito, namorei muito, e procurar a certa e a honesta. Hoje está difícil arranjar um casamento fixo. Quando vim morar aqui já tinha três filhos, os outros nasceram aqui. Aí em cima tinha uma senhora que dava assistência (parteira, VCR) muito bem, morava na rua do Arame, irmã Lurdes. Eu trabalhava na Socôco e morava na casa da minha cunhada lá em cima e que tinha esse terreno, perguntou se eu não queria morar, perguntei quanto queria e ela cobrou 500 cruzeiros. Paguei.

Isso tudo aqui era mato, um sítio. Só tinha três casinhas aqui em frente. Aqui comprei nove paus, arrodeie de lona e zinco. Fiz o barraco de lona, zinco e tábuas. Depois o pessoal começou a chegar para morar. O povo que veio morar aqui estava todo espalhado. Trabalhei muito, fazia serrão, trabalhava das cinco às duas da manhã. Entrava aqui com medo porque a gente tinha que se guardar.

Não tinha água aqui, íamos para uma cacimba aqui perto com água limpa. Minha mulher lavava roupa, pegava água para beber. A gente chamava os vizinhos, se reunia aqui na porta para conseguir o que precisava. Era eu, o Cícero barbeiro (morreu), a mãe de Teresa (morreu), muita gente já morreu. Hoje temos água e luz, mas agora tem esse buraco. Não havia esse buraco, eu atravessava. Essa água que passa que fez o buraco vem dessas ruas de cima. Aqui usava candeeiro para ter energia falamos com a esposa do Suruagy e do Major Luís.

O fato mais alegre que aconteceu aqui é porque a maioria do povo é crente (Evangélico, VCR). É um povo que respeita Deus, que merece nossos maiores elogios. Deus não é menino, é um Deus, é poderoso! Nós não fazemos nada por ele, mas ele faz tudo por nós. Minha maior alegria é ele aqui (apontou para o coração, VCR).

Já teve fatos tristes aqui. Já tive a chance de vender essa casa, mas Deus não quis. Construí esse barraco, criei doze filhos, morreu dois: um afogado e o outro mataram. O que mataram foi porque procurou se não tivesse procurado estaria vivo como eu.

Aqui tinha jaqueira, cajueiro, coqueiro. Tinha um pé de Pau d’Arco. Eu viajei e queria ter trazido um pé de Pau d’Arco, mas não conseguir. Grota do Pau d’Arco porque tinha um Pau d’Arco.

A prefeitura fez uma escada ali no beco. Os dois presidentes da associação de moradores que teve aqui não fizeram nada, só souberam embolsar o dinheiro. Nunca teve escola, nem posto de saúde. Será que esse governador vai fazer? Eu duvido. O governador trabalha muito pela cidade, mas pela periferia não. Ele faz pelo recanto, para deixar o “mais ruim” no mesmo lugar: sem nada.

(*) Depoimento prestado ao Museu Cultura Periférica, Centro de Estudos e Pesquisas Afro Alagoano Quilombo, Grupo de Registro da Memória Alagoana, os quais estão ligados ao Grupo Agenda. O depoimento de Seu Alcides foi dado à Viviane Rodrigues. Essa entrevista foi publicada na coluna Contexto do jornal Tribuna Independente no dia 13 de novembro de 2011.