História do Seu Manoel Henrique


Meu nome é Manoel Henrique, tenho 51 anos, nasci em São Luís do Quitunde, sai com dois anos e fui para Matriz de Camaragibe. Com treze anos vim com minha família toda para Maceió, meu pai construiu uma casinha aqui na Grota do Pau d’Arco. Meu pai trabalhava de vigilante, depois minha mãe faleceu e deu derrame nele. Hoje em dia meu pai vive cuidado pelos outros.

Quando cheguei para morar aqui a gente usava candeeiro com gás, aí foi tempo que começaram, faziam uma casa, depois outra, subiam no poste para fazer uma ligação, até hoje ficou por isso mesmo. Cada pessoa que fizer um barraco na beira do buraco só precisa ir num depósito, comprar 20 ou 30 metros de fio, paga cinco ou dez reais a um camarada que sobe e liga. Isso porque o governo nunca se importou com o lugar onde a gente vive.

A maioria das pessoas que moram aqui veio do interior. Antigamente o buraco estava mais estreito, então era mais fácil construir. As mulheres trabalhavam como doméstica, hoje ainda é assim. Trabalham ganhando menos de um salário e os homens de servente de pedreiro. Quando vim morar aqui não tinha profissão, comecei a trabalhar de servente, ai pensei que tinha que aprender  a profissão de pedreiro.

Se eu medir essa casa minha só dar seis metros, mas tinha doze. A parede da minha casa estava na beirada do buraco, vejo a hora de dar uma chuvada e cair a metade da casa. No inverno nem dorme eu e nem minha esposa.

Esse esgoto começou ali na rádio 96 FM. Quando vim morar aqui nem uma rua dessa de cima era asfaltada, tudo de barro. Quando vieram asfaltar as ruas esse buraco já existia. Cícero Almeida, o prefeito, trabalha em frente ao perigo. Ele nunca foi um homem para vim aqui olhar o que esta acontecendo. Fizemos uma reunião para fazer um abaixo assinado, teve cerca de 40 pessoas, para levar a rádio 96 FM  e entregar na hora do programa dele. Ficou, vai, não vai, de 40 sobrou uns 15 ou 20, então não adianta porque se todas estão morando no perigo, tem que ir todas.

O serviço do interior é corte de cana, limpar capim, a minha profissão não bate com a do interior: pedreiro. Aqui em Maceió para onde me virar trabalho de pedreiro, faço minha semana, assumo minha casa. Morei dez anos em casa de aluguel, nunca atrasei na minha vida. Depois parei e pensei, vou comprar um barraco para morar. Comprei meu barraco na Via Expressa, depois fui morar no Benedito Bentes, passei sete anos lá. Voltei para o Jacintinho e fui morar numa vila que minha mãe tinha e esse buraco já estava largo, ninguém podia pular de um lado para o outro. Nesse tempo teve vários prefeitos que, vinham e olhavam, o presidente da associação também e diziam que no próximo ano ia mudar. Vou dizer uma coisa a senhora: tá com uma faixa de mais de 30 anos que moro aqui, ai chega um candidato, entra na minha casa, olha e diz “Seu cadastramento está feito, no ano que vem o senhor vai sair daqui”. A situação cada dia fica pior e a gente não sai daqui. Minha casa tem uns seis cadastramentos, tenho casa “garantida” no Benedito Bentes, no Conjunto Carminha, no Conjunto Sorriso I e II, Eustáquio Gomes e nessa brincadeira estou aqui até hoje.

Quando voltei para morar aqui meus filhos eram pequenininhos, hoje tem 16 e 15 anos, estou vendo a hora deles se  casarem e eu ficar aqui. Eu não tenho condições de sair daqui e comprar uma casinha melhor em outro lugar, porque ganho apenas o salário. O salário que ganho só dar apara assumir a casa, tenho meus filhos com 15 e 16 anos, tenho que fazer tudo por eles, porque o perigo de um filho é nessa idade. Tem que ter o pai e a mãe em cima deles, senão vai na onda dos outros, ai termina dando prejuízo ao pai e a mãe. O que ganho é suado, não posso fazer minha casa. Se cair a parede do fundo vai ter que diminuir a casa, para frente não posso fazer mais porque é caminho. Isso aqui não é sobre eu, e sim todos.

Os moradores criaram uma associação, só teve dois presidentes. Se tiver seis ou sete anos é muito. O associado pagava três reais por mês, pagava para ver a melhoria da grota. Os moradores do Pau d’Arco é quem sabe o que está passando. A associação daqui vive parada.  Para comprar um barraco dentro do Pau d’Arco tem que pagar R$ 8.000,00 e viver na beira do buraco. Daqui a pouco ele chega na porta dela e não vai valer mais nada.

Tinha um camarada aqui da Associação de Moradores que todo ano quando batia o inverno chegava a minha porta com 30 ou 40 metros de plástico para revestir a barreira. Quando estava chovendo “emparava”, mas com dois dias de sol o plástico já se rasgava porque era fraco. Quando dá uma chuvazinha de duas ou três horas de relógio pesada a água sobe para mais de dois metros. É uma água ferdida, preta, ninguém agüenta ficar dentro de casa.

O fato mais triste está com uma faixa de seis anos, estava aqui dormindo, começo do inverno, a barreira desabou, gritei: “Acorda gente que a casa está caindo!”. Metade da barreira caiu e os fundos de minha casa. A casa de minha irmã caiu e ficou na rua. Ela é crente, chegou às igrejas pediu ajuda, os pastores deram o material e eu tive que construir de novo no mesmo cantinho. Não teve um vereador, um deputado, um prefeito que dissesse se aqui caiu, não faz mais nesse lugar.

Não houve mudança aqui, continua do mesmo jeito. Para mim nunca houve nenhum fato alegre aqui. Cada ano que passa sonho em sair daqui para criar meus filhos, já tenho 50 anos. Quero deixar meus filhos num cantinho que não tenha problema, perigo. Eu não quero morrer e sabe que minha mulher e meus filhos ficaram na beira do perigo. O governador gasta milhões e mais milhões para construir um viaduto, deveria investir nas grotas. Eu sei que fez algumas grotas: da Alegria, do Rafael.