Pai Elias, o rei, do Maracatu ACorte de Airá!

Pai Elias - Coordenador e Rei do Maracatu A Corte de Airá. Babalorixá do Palácio de Airá localizado na grota do Arroz, no bairro de Cruz das Almas.
A necessidade desse sonho é um sonho, de resgatar essa manifestação cultural nasceu porque depois de muito tempo da casa, que foi inaugurada, como militante do movimento social, que milito no movimento homossexual, e aí os orixás me chamaram dizendo que tinha que está reverenciando a minha ancestralidade através de um lado cultural. Foi muito tempo para entender, depois de muita busca veio à conclusão que era o maracatu. Pensei: “Como vou montar o maracatu?”, certo que sou pernambucano, venho da terra do frevo, mas sou criado por Alagoas, por Maceió. E aí fiquei, mas o orixá disse: “Vamos embora”, e foi quando em 2008 a gente começou a correr atráis, mas a gente não teve apoio e esse projeto do maracatu ainda era só um projeto. E aí formos em busca e em 2009 a gente teve um grande apoio da CESE (Coordenadoria Ecumênica de Serviços), nos apoiou, acreditou no maracatu, no impacto que vinha trazer para Maceió. Eles nos passaram os instrumentos, e aí a gente só teve as dificuldades depois porque a questão era: “Quem ia está como mestre?”, mas depois os orixás foram trazendo as pessoas, as parcerias também, nós temos parcerias com o maracatu Coletivo Afro-caeté que é percussivo e os demais grupos que a gente teve essa força. Convidamos o Sandro Santana, e aceitou o convite para ensinar, não chamamos de professor, pra gente é o mestre de percussão de Acorte de Airá.
Não só pelo resgate, mas também para passar para nossa comunidade os valores, as coisas boas que existe no maracatu, que encanta, a magia e é uma forma de levar a cultura para nossa comunidade, que é a grota do Arroz, mas não só a comunidade da grota do Arroz como adgercência, vários outros bairros, em si a sociedade maceioense e alagoana. Esse é o objetivo de está resgatando essa cultura, e também passá-la através de oficinas de percussão; de construção de instrumentos como alfaias, abê (xequerê), e os demais que existe dentro do maracatu. Os jovens e os adolescentes tem pouco essa visão cultural, e a cultura e a educação é essencial na evolução do cidadão. O que me deu mais força foi quando li no jornal de 2008 para 2009 o índice de homicídios de adolescentes e jovens mortos pela violência, quando li que minha comunidade estava no meio, a grota do Arroz, fiquei assim, pasmo. Pensei: ”Oxê, minha comunidade está assim tão violenta?”. Existe muitos jovens aqui da grota do Arroz envolvidos com drogas e as meninas com prostituição, então sentir a necessidade de trabalhar com esses jovens e adolescentes. Aqui da comunidade existe uma resistência, mas a gente está quebrando, porque tem ligação com o candomblé, o maracatu nação é ligado ao candomblé, não é um candomblé de rua como o afoxé, é sim uma Acorte entre reis e rainhas que colocamos na rua. Existe essa resistência ainda, e a falta do conhecimento da sociedade alagoana sobre essa manifestação cultural que é o maracatu, são poucas as pessoas que conhecem essa manifestação. Aos poucos estou passando para os jovens o objetivo, o aspecto, a característica e a importância do maracatu, estão começando a aprender o que é o maracatu, indo buscar informações, e aos poucos estão quebrando essa visão e esse preconceito que a família coloca. Essa comunidade tem muitos evangélicos, alguns católicos, e no momento de candomblé só tem o Palácio de Airá. Maracatu não é só de Pernambuco e Maranhão, mas sim também de Alagoas. A gente não pode esquecer que Alagoas era Pernambuco.
A nação de Acorte de Airá é gêgê nagô. Nação porque tem ligação religiosa, por está vindo de uma casa de matriz africana, seja: Keto, Angola, Gêgê ou Nagô.   Por isso se denomina nação para especificar qual é aquele maracatu, que nação é aquela. Têm outros que são Angola, outros que são nagô. Esse maracatu por ter ligação religiosa com as casas de matriz africana, esses líderes eram babalorixá, após o Quebra de Xangô, como ficou denominado, esses maracatus sumiram. Os representantes imigraram para Pernambuco e onde hoje essa cultura é bem fluente. A gente veio com esse desafio, para nós é um desafio, de está resgatando essa manifestação que estava adormecida. Existe sim maracatu em Maceió, maracatu percussivo, mas não tem um maracatu específico como a gente fala, o maracatu nação, que esteja ligado a questão religiosa de matriz africana. Eu posso dizer que em Maceió somos um “dos”, ACorte de Airá está trazendo, resgatando essa cultura que foi perdida ao longo do tempo.
O orixá que rege o maracatu chama-se Airá, é parecido com Xangô, muitos dizem: “Ah, é Xangô Airá”. Xangô é Xangô, Airá é Airá. Airá é um orixá que veste marron e branco, rege os astros, o fogo, e tem uma característica também de Xangô. Xangô veste vermelho e branco e Airá veste marron e branco, mas a gente dentro do nosso maracatu busca reverenciar algumas ancestralidades que também era de Xangô, então deu para as cores oficiais de Acorte de Airá ser vermelho e branco, mas o nosso orixá é reverenciado dentro do maracatu, por isso o nome é Acorte de Airá. Airá é o meu orixá, meu vodu, meu patrono, meu líder espiritual e Xangô pela cor vermelho e branco, pela ancestralidade.
Existe um ritual para o maracatu, uma semana antes de sai na rua começa o ritual religioso com o rei e a rainha, as damas de passo, existe algumas alfaias que também são consagradas. As damas de passo junto com as calungas passa pelos ebós, se deitam, e faz todas as obrigações para puder sai no carnaval. As calungas só as damas de passo seguram, elas obedecem às damas de passo ou o sacerdote ou a sacerdotisa, quem fez o ritual. Nas calungas são reverenciadas a nossa ancestralidade. É uma coisa muito sagrada, não é todo mundo que pode tocar nelas, pois, existem os mais velhos que diziam que quando a gente dava vida às calungas, durante o período das manifestações culturais no carnaval se mexiam, muitos diziam que piscavam o olho, outros que balançavam os braços. Existe esse universo da magia, essa força da calunga, então assim é uma das partes religiosas do maracatu nação são as calungas. A calunga representa a ancestralidade daquele maracatu nação. As ancestralidades que estão nas calungas de Acorte Airá é: César e Mercedes. Desculpe, eu disse demais falando quem está nas calungas, não posso falar mais. Posso te dizer que são pessoas que tem uma ligação com a casa, contribuíram, e vem abençoar a nossa nação. São reverenciados dentro do maracatu.
O rei e a rainha tem que ser babalorixá, para puder está tendo essa posição, esse título de rei e rainha, não pode ser uma pessoa comum, mas sim uma pessoa iniciada dentro da religião de matriz africana. As damas de passo tem que ser filha de santo da casa onde sai aquele maracatu. Não é imposto que as pessoas que participam do maracatu tem que ser do candomblé, não de jeito nenhum maneira, mas tem alguns personagens que tem que ser realmente da casa porque requer um ritual, é uma questão de purificação para que as coisas se dê bem, para que tenha harmonia. A gente também não pode esquecer de Exu, pois, Exu é a comunicação, Exu é a alegria, é a vontade de expressar os nossos sentimentos, esse é Exu. Exu é o primeiro, Exu está muito ligado à questão material, é muito humano. A força de Exu é a comunicação, então representa também a alegria, a tristeza, o bem e o mal. Pra que Acorte saia e volte em paz a gente solicita a Exu que “corra” tudo bem, que a energia seja positiva, que os louvores cheguem até Olorum Ifá Obatalá, o ser supremo, o ser maior, e que venha conceber a glória e a vitória nos nossos caminhos.
O maracatu hoje tem quase trinta pessoas, é pouco, mas cada vez mais estamos buscando mais pessoas. Uma grande vitória nossa foi desfilar nas prévias de Maceió. Uma estréia maravilhosa no carnaval de 2010 foi uma coisa impressionante, foi muito bom, formos muito elogiados por várias autoridades, mas, existe claro e evidente o mas, as pessoas da comunidade sentiram  mais a necessidade do maracatu Acorte de Airá. Fez com que as pessoas da comunidade que fazem parte do maracatu, sentir-se a necessidade de participar mais. Tem muita gente chegando agora, tendo interesse em participar mais, pra gente isso é uma maravilha. Estamos conquistando aos poucos, estamos incentivando porque não queremos ser o primeiro e nem o único, até porque não somos, estamos aqui para dar continuidade ao que estava adormecido. Resgatar o que os nossos ancestrais deixaram, cabe a nós ressuscitar essa manifestação.
A gente ainda vai fazer um ano. A primeira apresentação que a gente fez foi no Mirante Cultural, um evento organizado pelo CEPA – Quilombo, realizado no bairro do Jacintinho. É um projeto muito bom que abre espaço para várias manifestações culturais, que mostra para nossa sociedade o valor dos grupos. Foi a nossa primeira apresentação, foi mágico, foi muito bom, levantamos a platéia, levamos o axé. O cortejo de Airá saiu com cinco alas. Teve participação do maracatu Coletivo Afro-caeté, do Abaçá de Angola, do Grupo Cultural da mãe Rosa, o afoxé Omim Oju Omorewa. O maracatu é muito amplo, muito grande, existe várias alas: conde e condessa; príncipe e princesa; damas de passo; baianas; catarinas; caboclinho; capoeira; as alas dos orixás; tem a parte do rei e da rainha; a percussão; a ala dos soldados. É uma corte, é muito grande, a gente já imagina quando vem a corte, espera uma coisa muito grande, a gente espera as senhorinhas, como tem uma ligação espiritual com o candomblé, então colocamos os orixás e as mestras da jurema. Antes a gente se apresentava só com as damas de passo e com os batuqueiros. A gente quer colocar uma ala de catarinas; o conde a condessa; os orixás, os caboclinhos. Queremos colocar mais alas porque a corte não é só o rei e a rainha e as damas de passo. Isso requer dinheiro, enquanto isso a gente vai investindo com calma, com perseverança, com amor e dedicação.
É importantíssimo a gente homenagear Airá, porque é o orixá da casa, o axé da casa, é o orixá rei. Nós somos uma religião que adoramos e cultuamos reis e rainhas. Ao lado da natureza trabalhamos esses orixás, através do encanto da natureza, mas eram reis e rainhas, ainda hoje é na cidade de Oío na África.
È muito bom o reaparecimento dos maracatus em Alagoas. Fico muito alegre, espero que cada vez venha mais, principalmente nação para que possamos fazer um cortejo bonito no carnaval, ou antes, do carnaval. A gente está mostrando essa cultura maravilhosa. Surgiu através da pesquisa do professor Silóe Amorin, a tese dele “Xangô rezado baixo”, daí veio os estudos, a busca desse resgate. Isso aí eu não posso deixar de reverenciar a importância dessa tese, desse estudo. Também facilitou, está facilitando que outras pessoas busquem informação dessa época.  A pesquisa dele foi o ponto inicial, depois os grupos começaram a incorpar esse ritmo.
As dificuldades encontradas: primeiro existe a falta de incentivo, eu sei que a gente tem que mostrar para, mas a maior dificuldade é financeira. Existe todo um ritual, existem rituais que fazemos para os nossos orixás e isso tem um gasto, fora isso tem os instrumentos que rasga, e a gente tem comprar couro, uma alfaia quebra, precisamos de mais instrumentos. Tem a questão dos adereços, as roupas são caras. Existe sim pouco apoio, só posso realmente falar daquilo que eu sei, então eu estou falando da estória do maracatu, dessa falta de incentivo. Existe uma resistência da secretaria, do poder público. Uma falta de interesse, posso te dizer, é preciso um olhar. Como Maceió é considerada uma cidade turística, mas querem que a cidade seja uma cidade tranquila, por mais que briguem, por mais que queiram, não vão conseguir porque Alagoas ainda está enraizada com Pernambuco, com as manifestações culturais. Por mais que digam que Alagoas é a terra dos marechais isso foi se perdendo ao longo do tempo, pois, a sociedade civil e cultural está tomando o seu espaço, devargazinho, devargazinho, a gente chega lá.  Maceió, posso lhe dizer, não é mais aquela Maceió, hoje está grande, está crescendo.
A falta de incentivo para as periferias é muito ruim, a partir do momento que existe dinheiro, eu não posso dizer que não tem dinheiro, dinheiro existe! Existe essas verbas, mas infelizmente são mal aplicadas. Na questão das atividades nos bairros é importante, porquê? Porque todas as manifestações como posso lhe dizer, vem da periferia. Toda manifestação cultural a base dela são as periferias como posso lhe dizer. Esse incentivo é importante porque esses grupos vão formar multiplicadores e principalmente para diminuir a violência em cada bairro. Peço para que as autoridades tenham um olhar voltado para a cultura, para esses grupos pequenos que existe e são pouco valorizado e pouco visto. O que a gente observa é que essas autoridades só incentivam a cultura branca, mas tem que ser valorizado não só a cultura branca, como a negra, a cultura popular.
Os projetos do maracatu são dá oficinas de percussão; de confecção de adereços; de roupas; oficinas de confecção de instrumentos como as alfaias. Nosso objetivo maior é criar uma cooperativa para que esses multiplicadores possam está se ocupando, e eles mesmo criando e confeccionando seus próprios materiais. Aqui em Maceió a gente tem dificuldade de encontrar esses materiais e quando encontra é muito caro. Esse incentivo é muito pouco, aqui cooperativa na questão cultural em Maceió não existe. Criar uma cooperativa cultural dentro do maracatu para gerar renda e dá sustentabilidade para que esses meninos que estão aí desocupados possa estar tendo também uma profissão.
Quando a gente fala nação, pra você tem uma idéia, possa está no palco ou na rua a gente pede primeiro licença aos orixás, a ancestralidade. Não é uma música de candomblé, mas têm algumas ligações onde essas músicas faz referência aquela ancestralidade, a gente faz referências ao estandarte, ao mestre da percussão, ao rei e a rainha do maracatu, as damas de passo, as catarinas, e fazemos referências também ao orixá que rege a casa e também ao outro orixá , a comunidade, então assim, essas são as músicas que cantamos dentro do maracatu. Para começar o tocar o rei e a rainha tem que ir lá na frente para abençoar junto com as calungas. Para a gente que é nação os instrumentos são as vozes dos orixás, são as vozes da nossa ancestralidade. A gente entra em transe, você pode presta atenção, na hora a emoção é tão grande que os batuqueiros não sentem que se corta, só no final é que vão vê que a mão tá encaliçada ou alguma coisa assim dessa natureza. A energia é muito grande, porque existe a parte religiosa, é essa vibração que o maracatu nos traz. Cada maracatu tem sua música, uma característica, cada nação tem o canto especifico da casa onde vai está sendo reverenciada aquela nação. Lógico que nós criamos as músicas, nós mesmos: eu, Lola, Jeferson e o Jonathan. Jéferson e Jonathan são gêmeos e estão contribuindo nas composições das músicas da Acorte de Airá. Muitas vezes ele chega assim: “Pai Elias, estava em casa e me deu alguma coisa assim, acho que foi o orixá”. Eles não são adeptos, são simpatizantes, mas disseram que algo estava dizendo na cabeça deles, e então começam a compor. A gente é que vai botando a melodia, isso aí é de quatro a cinco pessoas, eu dou o aval, digo: “Olha tá bom, tá ruim, falta alguma coisa”. O maracatu têm vários ritmos, não é só aquele tradicional, podendo fazer várias batidas diferentes. Têm músicas para todos os momentos, ainda não temos para saudar Airá, mas vamos compor. A gente esta colocando as músicas que o orixá está trazendo, dizendo: “Esse é o cântico principal, você tem fazer homenagem a esse que são os principais”.  Hoje existem trinta instrumentos do maracatu: alfaia, tarol, caixa, abê, agogô. Formos para Recife comprar as alfaias, o que está sendo confeccionando aqui são os abês.
A gente vem com garra, estamos realmente eufóricos, estamos dando o melhor da gente para essa nação, para Alagoas. Queremos mostra para Maceió o quanto nossa nação, nosso maracatu, é bonito, é alegre, é emocionante. Não existe essa estória de que em Maceió tem um maracatu especifico. O maracatu de Maceió é o maracatu de Pernambuco. O povo hoje que mostrar uma outra coisa, que ser diferente, então, nós não queremos ser diferente. O que nos faz diferente é só a nação. A gente busca informação através dos maracatus antigos de Pernambuco que foram fundados em 1912, outros 14, outros 17. A gente busca nesses baluartes, como posso dizer, que é referência nessa cultura, pra gente pode levar essa nação. Em mestres como: Manuel Inglês; a mestra Bico Doce; Chico Foguetinho e os demais líderes de maracatu. Com orgulho e com amor levantando essa bandeira é um desafio, o que nos faz está perseverante nessa nação são nossos orixás que estão dando força e a nossa ancestralidade.
O figurino o ano passado, a gente pensou: “Vamos tem que colocar a nossa nação na prévia do carnaval, pois, nosso maracatu está ressuscitado”. Eu no princípio disse: “O importante é o estandarte; o rei e a rainha; o príncipe e a princesa; as damas de passo; e os demais”. Aí formos atrás, confeccionamos a roupa do rei e da rainha.  Que confeccionou foi o Lola, o costureiro da casa, o designer. No dia a dia a gente vai criando, bolando um estilo de roupa, até então são roupas de imperador, imperatriz, são roupas luxuosas, principalmente as do rei e da rainha. As damas de passo que nós consideramos as princesas, damos o nome de dama de passo porque são quem leva a nação. Elas vão à frente para apresentar a nação com a calunga nos braços. Tudo foi comprado aqui, custou o meu suor, eu investir, na questão financeira fui eu. Tudo em Maceió é caro, não tem nada barato, fora os impostos que a gente paga. Os lugares mais baratos é em Recife e São Paulo, mas pelas condições a gente vai para Recife em busca de adereços. Esse é o nosso pensamento de pegar uma grana esse ano e ir para Recife para comprar esses materiais. Tivemos pessoas que realmente contribuíram, como o Lola que também é pai pequeno da casa. Os filhos de santos também ajudaram com a montagem do estandarte. Trabalharam cinco pessoas na confecção das roupas. No estandarte tivemos dificuldades, mas a gente parou, quebrou a cabeça, mas pensando: “Vamos indo”. Correndo com pouco dinheiro, abre mão disso e daquilo, cobre um santo, descobre outro, mas jurei fidelidade ao meu orixá, a minha ancestralidade que esse maracatu estaria estreando nesse carnaval e bonito. Conseguir!